Ainda que a dieta ideal para prevenir hipertensão vá além da redução de sal, não tem jeito: é no condimento que a maioria das pessoas pensa quando se fala na doença que coloca o coração e outros órgãos vitais em risco. E a relação imediata é compreensível. Afinal, nos últimos tempos não faltaram estudos e alertas para reforçar o periogo que o sódio, componente mais famoso do tempero, representa para as artérias. Publicada recentemente na conceituada revista Jounal of the American Medical Association, uma pesquisa belga atraiu todas as atenções justamento por ir na contramão afirmando que não há motivos para fazer campanha tão fevorosa contra o mineral.
De acordo com o trabalho, que acompanhou 3.681 voluntários de meia-idade por aproximadamente oito anos, além de não proteger contra o desenvolvimento de pressão alta, o baixo consumo de sódio ainda torna as pessoas mais suscetíveis a doenças cardiovasculares. Contrassenso, a constatação reacendeu o debate sobre a relação entre o uso do saleiro e as mazelas do coração. "Os indivíduos avaliados no estudo eram jovn, predominantemente brancos e sem sobrepeso. Por isso, é possível imaginar que os resultados valem para esse grupo, mas não a população em geral", comenta Carlos Alberto Machado, coordenador de ações sociais da Sociedade Brasileira de Cardiologia. "ora, já se sabe que negros, obesos e idosos são mais sensíveis ao consumo do sal".
Já para Frida Plavnik, nefrologista e conselheira da Sociedade Brasileira de Hipertensão, há outro ponto desfavorável à pesquisa: não dá para garantir que a coleta de urina para verificar o nível de sódio excretado pelos participantes foi feita adequadamente. "Essa não é a primeira vez que cientistas chegam à conclusão de que o sal não interfere no aumento da pressão. Mas os trabalhos que mostram o contrário são mais evidentes".
Apesar de concordar que a investigação belga tem pontos falhos, o cardiologista Luis Aparecido Bortolotto, diretor da Unidade Clínica de Hipertensão do Instituto do Coração, o Incor, em São Paulo, diz que ela é importante: "Isso porque mostra que em determinadas populações o sal não aumenta o risco de problemas cardiovasculares". O xis da questão - e aí fazem coro os especialistas - é que não dá para definir quem é mais sensível ou resistente aos seus efeitos sobre a pressão. "Por isso a recomendação da Organização Mundial da Saúde que prevê um consumo de até 5 gramas diários deve prevalecer", avisa Frida.
Para obedecê-la, não é preciso excluir o sal da dieta. Até porque fazer uma restrição total de sódio, de fato, pode trazer mais prejuízos do que vantagens. "Trata-se de um nutriente importante que participa de diversas funções no organismo, entre elas garantir o funcionamento adequado das membranas celulares e dos nervos", explica Camila Marcucci Garcia, nutricionista da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo, a Socesp. O excesso, ele sim, confirma Camila, é o vilão da história.
E, no quesito excesso de sal à mesa, infelizmente o brasileiro tem se destacado. A gente consome cerca de 12 gramas do condimento todo santo dia, ou seja, quase 2,5 vezes mais do que é recomendado pela Organização Mundial da Saúde, a OMS. Quando muito sódio passeia pelo corpo, um dos primeiros efeitos é a retenção de água e, de quebra, um aumento no volume de sangue circulante. As artérias não estão acostumadas a abrir passagem para tanto líquido. Eis por que a pressão exercida na parede dos vasos é intensa (veja o infográfico). Para piorar, o excesso de mineral também contribui para a constrição desses vasos, reduzindo seu espaço interno. "Com o tempo, a pressão alta pode danificar as artérias dos órgãos vitais, como coração, cérebro e rins. Daí, cresce o risco de infarto, derrame e insuficiência renal crônica", explica o nutrólogo Paulo Henkin, da Associação Brasileira de Nutrologia, a Abran.
Para ter ideia de como a situação é séria, o cardiologista Carlos Alberto Machado calcula que, se passássemos a ingerir 5 gramas de sal, o equivalente a 2 gramas de sódio, conseguiríamos reduzir em 15% o número de mortes por derrame de em 10% as pro infarto. Além disso, por volta de 1,5 milhões de pessoas ficariam livres de medicamentos para controlar o sobe e desce da pressão. E tem mais: os hipertensos ganhrariam quatro anos na expectativa de vida.
Resistentes versus sensíveis
Estudiosos das Universidades Case Western e Ken State, nos Estados Unidos, revelam por que a sensibilidade ao sal varia de pessoa para pessoa. É que o tempero afeta a capacidade do sistema cardiovascular de equilibrar a pressão e a temperatura do corpo ao mesmo tempo. Nos sensíveis, a temperatura é controlada com eficiência, mas a pressão sobe. Já nos resistentes ocorre o oposto. "Provavelmente esses mecanismos são determinados geneticamente, sofrendo influência da idade e da composição corporal", diz o cardiologista Marcus Bolívar Malachias, da Sociedade Brasileira de Cardiologia.
NOVOS RISCOS PARA A SÁUDE
Se não bastasse os motivos para o peito, há outros que reforçam a necessidade de usar o sol com moderação. "Há evidências de que a ingestão exagerada de sódio pode causar pedras nos rins, piorar a resistência ao hormônio insulina, um fator de risco para diabete do tipo 2, e também contribuir para o surgimento de problemas estomacais, como gastrite e úlcera", diz a nefrologista Frida Plavnik. Por falar em estômago, é válido lembrar que um estudo sul-coreano publicado na revista American Journal of Clinical Nutrition mostrou que uma dieta salgada além da conta está relacionada com um aumento de 10% nos casos de câncer nesse órgão. A conclusão veio à tona após os pesquisadores levantaram dados sobre a alimentação e o estilo de vida de mais de 2 milhões de adultos e submetê-los a exames completos durante um ano. Os mecanismos para explicar esse elo ainda não foram esclarecidos, mas o recado é claro: melhor não abusar.
"Em tese não precisaríamos adicionar sal à comida, porque a quantidade de sódio encontrada naturalmente nos alimentos como frutas, verduras, legumes e carnes já é suficiente para cobrir as necessidades do corpo", conta Henkin. Mas, como nosso paladar está muito habituado ao condimento, o conselho dos especialistas é encarar a redução como um processo. "Não dá para diminuir o consumo em 50% do dia para a noite", reconhece Frida. Para dar o pontapé inicial, uma boa é recorrer à ponta dos dedos, a famosa pitada, para salgar as refeições, uma vez que o saleiro nos deixa mais propensos ao exagero. E atenção: faça isso só depois que o prato estiver pronto. "O ideal , especialmente para os hipertensos, é cozinhar tudo sem sal. Dessa forma, é possível controlar com precisão a quantidade usada durante o dia", ensina Luiz Aparecido Bortolotto, do Incor.
Optar por alternativas como alho, cebola, pimenta e alecrim é um caminho apontado pela nutricionista Camila Marcucci Garcia para satisfazer o paladar sem comprometer as artérias. Ela ressalta, no entanto, que não adianta apenas monitorar o pacote de sal: é preciso ficar de olho nos alimentos industrializados, sabidamente lotados de sódio. "Modere o consumo de bolachas, biscoitos, produtos congelados, embutidos e evite temperos prontos", orienta Camila. Assim, com pequenos ajustes, dá para blindar o corpo contra uma série de males sem perder o saber e o prazer de cada garfada.
Excesso de iodo?
Para evitar o retardo mental entre as crianças e erradicar o bócio, foi publicada, em 1953, a primeira lei brasileira que estipulava a adição de iodo ao sal - hoje, são encontrados de 20 a 60 miligramas do nutriente a cada quilo do condimento. Mas, devido ao uso abusivo do saleiro, surgiu outra questão: o consumo excessivo de iodo e a maior incidência de uma doença autoimune chamada tireoidite de Hashimoto. Para driblar a encrenca, o governo federal defende um valor de 15 a 45 miligramas. "Mas a medida pode prejudicar quem consegue maneirar no tempero, sobretudo quando o organismo precisa de maior aporte de iodo, como na gravidez", critica a endocrinologista Laura Ward, de São Paulo.
DICA: Composto de menos sódio e mais potássico, o sal light é uma boa opção para quem não tem problemas renais e quer proteger as artérias. Só não vale abusar!
FONTE: Revista Saúde é Vital